Boletim #01
22 de Abril 2020
Desinvestimento: Uma pandemia que precisamos de combater
As condições do Ensino Superior têm sido alvo de crítica por parte dos estudantes, destacando o papel da JCP. Nunca entendemos este tópico levianamente e, por isso, nunca deixámos que este pudesse sair da nossa esfera de actuação.
O acesso ao Ensino Superior é, para muitos, uma opção descartada de imediato. Os encargos financeiros são insuportáveis no prosseguimento de estudos e muitos veem-se obrigados a trabalhar para pagar a sua educação. Esta situação evidencia as desigualdades socioeconómicas existentes entre os jovens portugueses, separando aqueles que conseguem estudar nas melhores condições e aqueles que nem ingressam no Ensino Superior. O ensino orgulhosamente intitulado “inclusivo, democrático, de qualidade e gratuito” torna-se um ensino restritivo, silenciador da voz dos estudantes, deficitário e elitista.
Na situação em que vivemos estes problemas agravam-se. É preocupante o número de casos de estudantes impossibilitados de acompanhar as aulas. As condições socioeconómicas que injustamente impediam alguns de entrar, impedem agora alguns de permanecer. São inúmeras as famílias que perdem os seus rendimentos por layoffs ou despedimentos. Enquanto isto acontece, faculdades enviam notificações pelo atraso no pagamento de propinas. Enquanto isto acontece, o Estado desresponsabiliza-se das suas funções. Porém, enquanto isto acontece, os estudantes gritam cada vez mais alto lutando contra as injustiças no Ensino Superior.
Em várias plataformas apela-se a que algo seja feito e a que o Estado tome uma posição que facilite a situação dos estudantes. Nas redes sociais da JCP lançou-se a campanha Voz aos Estudantes que recolhe denúncias de vários problemas causados pelo novo método de ensino. O não leccionamento de aulas em algumas cadeiras, a escassez ou falta de aparelhos informáticos, a má ou inexistente ligação à internet, o acumular de avaliações que não estavam previstas no início do semestre são apenas algumas das situações que exigem apoios e respostas imediatas.
Há uma clara necessidade de fazer valer o Artigo 74º da Constituição da República Portuguesa. Nesta altura, há situações específicas e concretas que precisam de resposta. Precisamos que nos garantam o nosso direito constitucional à educação e não que nos encarem como clientes de um serviço.
No dia 25, às 15 horas estivemos unidos, cantando a Grândola das nossas janelas ou varandas, celebrando as portas que Abril abriu e que jamais ninguém terá o direito de fechar.
FCSH: o caminho da privatização
O Ensino Superior defronta- se, atualmente, com um conjunto de múltiplos problemas, em relação aos quais, infelizmente, a NOVA FCSH não é excepção. É por esta razão que é necessário explanar aqueles que consideramos serem os problemas estruturais que afetam Ensino Superior e que, além de vedarem o acesso igualitário de todos os estudantes e a qualidade do próprio ensino, acabam, também, eles próprios, por dar origem a um conjunto de outros constrangimentos, com os quais os estudantes se deparam ao longo da sua vida académica. Aquele que identificamos como sendo um dos principais problemas, no que respeita ao acesso e frequência no ensino superior, decorrente da questão do seu subfinanciamento crónico, intimamente ligado a uma desresponsabilização ( in) consciente por parte do Estado, que transfere para os estudantes e suas famílias os encargos decorrentes da frequência no Ensino Superior, através da institucionalização da propina como forma de auto-financimento dos estabelecimentos de ensino, dada a ausência de financiamento por parte do Estado. Esta passagem da responsabilidade para as famílias, leva a que os estudantes com menores capacidades económicas vejam a sua entrada na faculdade impossibilitada, o que se constitui como uma evidente violação daquilo que está estatuído na Constituição da República Portuguesa ( CRP), a qual consagra em si a defesa por um ensino superior público, democrático, inclusivo e gratuito.
Dito isto, não desvalorizamos os avanços que foram alcançados, particularmente, ao nível da redução do valor das propinas. Não obstante, consideramos que há ainda um longo caminho a percorrer para que o Ensino Superior idealizado pela República Portuguesa se concretize, desde logo, porque as propinas não são o único entrave à frequência no ensino superior. Contudo, se fosse possível considerar apenas a existência da propina como o único constrangimento imposto aos estudantes, aquilo a que assistimos atualmente, no contexto da nossa faculdade, foi a uma diminuição das propinas da licenciatura, contraposta pelo aumento das propinas do mestrado, o que reflete e reforça, uma vez mais, o problema de subfinanciamento pelo qual o ES passa e, além disso, a ausência de uma visão integrada deste último. Outro dos grandes problemas, com repercussões directas na nossa faculdade, decorre do atual Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior ( RJIES), o qual trouxe consigo uma significativa diminuição da democracia interna das instituições e, consequentemente, da sua autonomia face a interesses externos privados. O RJIES vigente permitiu que metade do financiamento das IES passasse a ser obtido recorrendo ao autofinanciamento, assistindo- se à criação das Instituições Públicas de Direito Privado, mais conhecidas por “ Fundação”. Este é o caso em que se enquadra a nossa faculdade, passando a gestão da mesma a estar a cabo do denominado “ Conselho de Curadores”: este facto é particularmente importante de destacar pois neste Conselho não está representado um único estudante e apenas entidades externas, representantes de interesses económicos que, em nada, são correspondentes aos interesses dos estudantes. Naturalmente que todo este processo se traduziu na diminuição da voz dos estudantes dentro da faculdade, o que vai também contra o princípio de um ensino superior democrático. Também o Processo de Bolonha veio alterar por completo o modo de funcionamento das IES. Instaurado em Portugal, no ano de 2006 , objetivava uma reestruturação do ensino superior, adotando um sistema de ensino organizado em três ciclos e instituindo um sistema de créditos. Na práctica, esta reestruturação veio revelar- se extremamente negativa para a qualidade do ensino lecionado, assistindo- se a uma agregação de conteúdos programáticos e ao desaparecimento de unidades curriculares, havendo uma tentativa clara de promoção de um pensamento acrítico e uniformizado, além, naturalmente, do aumento da carga horária dos estudantes. Na FCSH, é crescente o descontentamento dos estudantes em relação à falta de adequabilidade dos planos curriculares; à existência de opções curriculares integradas no plano de estudos, que nunca chegam a ser disponibilizadas; e ainda a estas questões se adiciona a carência de materiais ( como computadores ou outros aparelhos técnicos) que permitam a concretização de um conjunto de atividades fundamentais dentro de cada curso. Tendo em conta esta última questão, importa, ainda, não deixar de referenciar a crescente degradação material da nossa faculdade que, de facto, muito evidente aos olhos de todos os que cá estudam. Degradação esta que não se circunscreve apenas ao estado dos edifícios que a constituem e da acessibilidade dos mesmos, nomeadamente estudantes com NEEs, como também a uma degradação geral dos materiais com que os estudantes trabalham, bem como, dos serviços prestados dentro da nossa faculdade, com particular destaque para a cantina da FCSH, que, embora o preço do prato social, mais uma vez, tenha aumentado, este aumento não se refletiu, de forma proporcional, numa melhoria das refeições servidas. Em suma, consideramos que muito há a fazer para que se alcance o Ensino Superior público, democrático e gratuito que defendemos e tal só poderá ser plenamente alcançado através das lutas dos estudantes.