PROCESSO DE BOLONHA Aulas são dadas por... alunos
16-Nov-2006
O Processo de Bolonha já foi aplicado este ano lectivo na Faculdade de Letras de Lisboa. Tudo mudou, começando pela forma como as aulas decorrem. Em geral, os professores não dão matéria e cabe aos estudantes desenvolver os temas em aula.

«Dizem-nos que agora não são professores, são tutores e que nas aulas só têm de nos perguntar como é que está a correr o nosso trabalho em casa», explica Catarina Martins. «Se é assim, nem vale a pena virmos à faculdade, ficamos em casa a fazer um curso por correspondência», complementa Vanessa Borges. «Em História do Teatro, por exemplo, cada grupo de alunos apresenta trabalhos sobre diferentes autores... e fica dada a matéria. Nós ficamos a tirar apontamentos e só no fim é que a professora diz o que está bem e o que está mal. Às vezes diz que está tudo mal», acrescenta. Ana Félix, que frequenta o 1.º ano de Filosofia, conta que a maioria das suas aulas ainda são expositivas, «mas o curso está claramente pior. São os próprios professores que o dizem. As cadeiras que eram dadas num ano, agora são dadas num semestre. Metade da matéria teve de ser eliminada e é tudo dado de forma intensiva. Ficamos sem tempo para pensar e discutir – e isso é fundamental em todos os curso, mas em particular em Filosofia.» «Querem tirar-nos o espírito crítico. Já tentei intervir nas aulas, mas o professor pede para nos calarmos porque não termos tempo para falar», explica Catarina. Esta estudante de História de Arte também viu as suas matérias reduzidas. As cadeiras de Arte Moderna e de Arte Contemporânea – que eram dadas em dois anos – agora são dadas num só ano. Só Arte Moderna inclui renascimento, maneirismo, barroco e rocóco, quatro estilos completamente diferentes. As visitas de estudo acabaram, apesar de os professores pressionarem os alunos para visitar particularmente os monumentos nacionais.

Preocupados com o futuro

Catarina, Vanessa e Ana são unânimes: a qualidade do ensino degradou-se com o Processo de Bolonha. «Só com três anos de aulas, não me sinto minimamente preparada para ir para o mercado de trabalho», diz Catarina. Há três anos entrou em História de Arte e Património – o único curso no País com esta vertente – e agora fica licenciada apenas em História de Arte. «Será mais difícil arranjar emprego», prevê. Vanessa não sabe como será o seu futuro. A frequentar o 3.º ano de um curso que passou de Artes do Espectáculo para Estudos Artísticos, não sabe o que acontecerá a cinco das seis cadeiras que fez no 2.º ano. «Só uma é que vai ser contada. Quero acreditar que as restantes me sirvam como créditos, mas para todos os efeitos terei de fazer alguma coisa complementar», explica. «Não se pode fazer um quarto ano – porque o curso passou a ser de três anos –, mas somos obrigados a fazer mais cadeiras depois de termos feito o 3.º ano», acrescenta. A confusão é muita. Por exemplo, os colegas de Vanessa que têm cadeiras atrasadas não sabe se tem de fazer essas disciplinas ou se pode substituir por outras. Muitos alunos encaram a possibilidade de fazerem um mestrado, mas esta hipótese traz dois problemas. O primeiro é o valor das propinas. Numa recente sessão de esclarecimento, o presidente do Conselho Directo informou que o Senado da Universidade de Lisboa decidiu que as propinas dos mestrados não seriam inferiores a 900 euros em nenhuma faculdade. O outro problema é a qualidade do ensino. Antes de Bolonha, as licenciaturas tinham quatro ou cinco anos e os mestrados dois anos. Agora, as licenciaturas passam para três anos e a formação que ficou de fora é dada em mestrado. «É um absurdo, porque estes novos mestrados completam a antiga licenciatura. Temos de pagar muito mais para ficarmos com o mesmo nível de estudos», afirma Vanessa. Ana, estudante de Filosofia, lembra que «sem mestrado não posso exercer qualquer profissão ligada à minha formação. Se não tenho dinheiro para tirar mestrado nem vale a pena tirar licenciatura.»

Estudantes e professores descontentes

Os estudantes da Faculdade Letras estão descontentes com a aplicação do Processo de Bolonha. Como refere Catarina Martins, «no ano passado, muitos estudantes não estavam nada preocupados, até porque achavam que iam pagar menos um ano de propinas com o encurtamento dos cursos de quatro para três anos. Hoje, os mesmos colegas reconhecem que o Processo de Bolonha é mesmo mau e não faz sentido.» No ano passado, cerca de 20 pessoas participava nas Reuniões Gerais de Alunos (RGAs), este ano participaram cem. Ana Félix acrescenta que os estudantes aplicados em aprender estão especialmente desiludidos. «Os cursos ficaram mais pobres e não podemos realmente aprofundar e pensar sobre as matérias», afirma, comentando que «sem assumir abertamente, há professores que também mostram que acham isto tudo um disparate». Catarina fala noutros casos: «Alguns professores atrasaram este processo porque discordavam dele, até por razões pedagógicas.

in Avante! nº 1720, 16 de Novembro.2006

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