EUA
No meio da imensa cortina de fumo mediática, a discussão das eleições presidenciais nos EUA, mostrou-se estéril, panfletária e ficámos sem perceber o que realmente distinguiaos dois candidatos . Mas mais importante do que perceber as diferenças entre as duas faces da mesma moeda, surgiu em muitos a questão de como funciona o sistema eleitoral norte-americano.
Para esta análise, convém deixar bem claro, que a intenção dos chamados pais fundadores, aquando da elaboração da Constituição, nunca foi a de construir uma democracia, nem mesmo a de tipo liberal. Como afirmou James Madison, um dos “pais fundadores” dos EUA, o objectivo do documento era servir como base para um aparelho de Estado que garantisse a protecção da propriedade privada dos “leveling impulses” das várias camadas da sociedade a que hoje podemos chamar de anti-monopolistas e que nos anos anteriores se tinham amotinado em grande parte dos estados do país, descontentes com a excessiva carga tributária e as limitações de carácter económico à livre participação em cargos públicos.
A Constituição aprovada em 1787 é um documento que serve os interesses da classe dominante. É com base neste documento que surge um sistema eleitoral desenhado para facilitar o crescimento e acumulação de riqueza, mas que impede, através de vários pesos, contrapesos e vetos, a participação e aprovação de medidas que, aos olhos desta classe, possam constituir um entrave à sua agenda de presente e de futuro. O sistema eleitoral construído com base na Constituição, apesar de esta ser bastante vaga no seu conteúdo, torna praticamente impossível a participação de outros partidos para além dos dois principais nos pleitos.
As leis eleitorais dos Estados, praticamente imutáveis na sua essência ao longo dos séculos, criam constrangimentos à participação, logo no processo de candidatura. Para se verem representados nos boletins de voto, é exigido aos pequenos partidos, que apresentem, como se verifica no caso da Pensilvânia, cerca de trinta e seis mil assinaturas num prazo de três semanas, enquanto que no Maryland são exigidas cinquenta e cinco mil. Ao longo dos anos, as leis eleitorais, por serem fruto de uma Constituição propositadamente vaga, permitiram a arbitrariedade dos legisladores na interpretação e aplicação das mesmas, sendo em muitos casos necessária a subscrição de 5% dos eleitores de cada distrito do estado para se efectivar a candidatura.
Apesar da lei máxima do país, excluir pré-requisitos de ordem económica para se apresentar uma candidatura a um cargo público, a realidade é que a desproporcionalidade de recursos e de tratamento, consoante esses mesmos recursos, constitui o maior entrave à participação de indivíduos e partidos sem ligação à máquina montada. Por exemplo, para um cidadão apresentar uma candidatura como independente, é necessário que pague, num estado como o Louisiana, cerca de cinco mil dólares em taxas. Para um pequeno partido participar nas eleições nos cinquenta estados, necessita desembolsar perto de um milhão de dólares nestas mesmas taxas e recolher perto de um milhão e meio de assinaturas.
Na Carolina do Sul, em 1787, era necessário ter um património avaliado em cerca de um milhão de dólares (números de acordo com a inflação) para poder ser candidato a um cargo público. Na eleição de 2020, o candidato derrotado, angariou cerca de 130 milhões de dólares.